DIRETRIZES PARA A LEITURA, ANÁLISE
E INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS
1. Os maiores obstáculos do estudo e da
aprendizagem, em ciência e em filosofia, estão diretamente relacionados com a
correspondente dificuldade que o estudante encontra na exata compreensão dos
textos teóricos. Habituados à abordagem de textos literários, os estudantes, ao
se defrontarem com textos científicos ou filosóficos, encontram dificuldades
logo julgadas insuperáveis e que reforçam uma atitude de desânimo e de
desencanto, geralmente acompanhada de um juízo de valor depreciativo em relação
ao pensamento teórico.
Em verdade, os textos
de ciência e de filosofia apresentam obstáculos específicos, mas nem por isso
insuperáveis. É claro que não se pode contar com os mesmos recursos disponíveis
no estudo de textos literários, cuja leitura revela uma seqüência de
raciocínios e o enredo é apresentado dentro de quadros referenciais fornecidos
pela imaginação, onde se compreende o desenvolvimento da ação descrita e
percebe-se logo o encadeamento da história. Por isso, a leitura está sempre
situada, tornando-se possível entender, sem maiores problemas, a mensagem
transmitida pelo autor.
No caso de textos de
pesquisa positiva, acompanha-se o raciocínio já mais rigoroso seguindo a
apresentação dos dados objetivos sobre os quais tais textos estão fundados. Os
dados e fatos levantados pela pesquisa e organizados conforme técnicas
específicas às várias ciências permitem ao leitor, devidamente iniciado,
acompanha o encadeamento lógico destes fatos.
Diante de exposições
teóricas, como em geral são as encontradas me textos filosóficos e em textos
científicos relativos a pesquisas teóricas, em que o raciocínio é quase sempre
dedutivo, a imaginação e a experiência objetiva não são de muita valia. Nestes
casos, conta-se tão-somente com as possibilidades da razão reflexiva, o que
exige muita disciplina intelectual para que a mensagem possa ser compreendida
com o devido proveito e para que a leitura se torne mesmo insípida.
Na realidade, mesmo em
se tratando de assuntos abstratos, para o leitor em condições de “seguir o fio
da meada” a leitura torna-se fácil, agradável e,sobretudo, proveitosa.Por isso
é preciso criar condições de abordagem e de inteligibilidade do texto,
aplicando alguns recursos que, apesar de não substituírem a capacidade de
intuição do leitor na apreensão da forma lógica dos raciocínios em jogo, ajudam
muito na análise e interpretação dos textos.
2. Antes de abordar as diretrizes para a leitura e
análise de textos, recomenda-se atentar para a função dos mesmos em termos de
uma teoria geral da comunicação, estabelecendo-se assim algumas justificativas
psicológicas e epistemológicas fundamentais para a adoção destas normas
metodológicas e técnicas, tanto para a leitura como para a redação de textos.
Embora sem aprofundar a questão do
significado e função do texto neste nível, que ultrapassaria os objetivos deste
trabalho, serão apresentadas aqui algumas considerações para encaminhar a
compreensão dos vários momentos do trabalho científico. [1]
Pode-se partir da consideração de que a
comunicação se dá quando da transmissão de uma mensagem entre um emissor e um
receptor.O emissor transmite uma mensagem que é captada pelo receptor. Este é o
esquema geral apresentado pela teoria da comunicação.[2]
Para fins didáticos, pode-se desdobrar
este esquema, o que fornecerá mais elementos para a compreensão da origem e
finalidade de um texto.
Com efeito,
considera-se o emissor como uma consciência que transmite uma mensagem para
outra consciência que é o receptor. Portanto, a mensagem será elaborada por uma
consciência e será igualmente assimilada por outra consciência. Deve ser, antes
de mais nada, pensada e depois transmitida. Para ser transmitida, porém, deve
ser antes mediatizada, já que a comunicação entre as consciências não pode ser
feita diretamente; ela pressupõe sempre a mediatização de sinais simbólicos.
Tal é, com efeito, a função da linguagem.
Assim sendo, o texto-linguagem
significa, antes de tudo, o meio intermediário pelo qual duas consciências se
comunicam. Ele é o código que cifra a mensagem.
Ao escrever um texto, portanto, o autor
(o emissor) codifica sua mensagem que, por sua vez, já tinha sido pensada,
concebida[3] e
o leitor (o receptor), ao ler um texto, decodifica a mensagem do autor, para
então pensá-la, assimilá-la e personalizá-la, compreendendo-a: assim se
completa a comunicação.
Em todas as fases desse processo, o
homem, dada sua condição existencial de empiricidade e liberdade, sofre uma
série de interferências pessoais e culturais que põem em risco a objetividade
da comunicação. É por isso que se fazem necessárias certas precauções que
garantam maior grau de objetividade na interpretação dessa comunicação.
Tal a justificação fundamental para a
formulação de diretrizes para o trabalho científico em geral e para a leitura e
composição de textos em particular.
3. As diretrizes metodológicas que são apresentadas
a seguir têm apenas objetivos práticos. Este capítulo visa fornecer elementos
para uma melhor abordagem de textos de natureza teórica, possibilitando uma
leitura mais rica e mais proveitosa. Frise-se ainda que tais recursos
metodológicos não podem prescindir de certa preparação geral relativa à área em
que o texto se situa e ao domínio da língua em que é escrito.
1. DELIMITAÇÃO
DA UNIADE DE LLEITURA
A primeira medida a ser tomada pelo
leitor é o estabelecimento de uma unidade
de leitura. Unidade é um setor do texto que forma uma totalidade de
sentido. Assim, pode-se considerar um capítulo, uma seção ou qualquer outra
subdivisão. Toma-se uma parte que forme certa unidade de sentido para que se
possa trabalhar sobre ela. Dessa maneira, determinam-se limites no interior dos
quais se processará a disciplina do trabalho de leitura e estudo em busca da
compreensão da mensagem.
De acordo com esta orientação, a
leitura de um texto, quando feita para fins de estudo, deve ser feita por
etapas, ou seja, apenas terminada a análise de uma unidade é que se passará à
seguinte. Terminado o processo, o leitor se verá em condições de refazer o
raciocínio global do livro, reduzindo a uma forma sintética.
A extensão da unidade será determinada
proporcionalmente à acessibilidade do texto, as ser definida por sua natureza,
assim como pela familiaridade do leitor com o assunto tratado.
O estudo da
unidade deve ser feito de maneira contínua, evitando-se intervalos de tempo
muito grandes entre as várias etapas da análise.
2. A ANÁLISE TEXTUAL
A análise textual: primeira abordagem do texto com
vistas à preparação da leitura.
Determinada a unidade de leitura, o
estudante-leitor deve proceder a uma série de atividades ainda preparatórias
para a análise aprofundada do texto.
Procede-se inicialmente a uma leitura
seguida e completa da unidade do texto em estudo. Trata-se de uma leitura
atenta mas ainda corrida, sem buscar esgotar toda a compreensão do texto. A
finalidade da primeira leitura é uma tomada de contato com toda a unidade,
buscando-se uma visão panorâmica, uma visão de conjunto do raciocínio do autor.
Além disso, o contato geral permite ao leitor sentir o estilo e método do
texto.
Durante o primeiro contato deverá ainda
o leitor fazer o levantamento de todos aqueles elementos básicos para a devida
compreensão do texto. Isso quer dizer que é preciso assinalar todos os pontos
passiveis de dúvida e que exijam esclarecimentos que condicionam a compreensão
da mensagem do autor.
O primeiro esclarecimento a ser buscado
são os dados a respeito do autor do texto. Uma pesquisa
atenta sobre a vida, a obra e o pensamento do autor da unidade fornecerá
elementos úteis para uma elucidação das idéias expostas na unidade. Observe-se,
porém, que esses esclarecimentos devem ser assumidos com certa reserva, a fim
de que as interpretações dos comentadores não venham prejudicar a compreensão
objetiva das idéias expostas na unidade estudada.
Deve-se assinalar, a seguir, o vocabulário: trata-se de fazer um
levantamento dos conceitos e dos termos que sejam fundamentais para a
compreensão do texto ou que sejam desconhecidos do leitor. Em toda unidade de
leitura há sempre alguns conceitos básicos que dão sentido à mensagem e, muitas
vezes, seu significado não é muito claro ao leitor numa primeira abordagem. É
preciso eliminar todas as ambigüidades desses conceitos para que se possa
entender univocamente o que se está lendo.
Por outro lado, o texto pode fazer
referência a fatos históricos, a outros autores e especialmente
a outras doutrinas, cujo sentido no texto é pressuposto
pelo autor mas nem sempre conhecido do leitor.
Todos esses elementos devem ser,
durante a primeira abordagem, transcritos para uma folha à parte. Percorrida a
unidade e levantados todos os elementos carentes de maiores esclarecimentos,
interrompe-se a leitura do texto e procede-se a uma pesquisa prévia no sentido
de se buscar esses informes.
Esses esclarecimentos são encontrados
em: dicionários, textos de história, manuais didáticos ou monografias
especializadas, enfim, em obras de referência das várias especialidades.
Pode-se também recorrer a outros estudiosos e especialistas da área.
Note-se que a busca de esclarecimentos
tem tríplice vantagem em primeiro lugar, diversificando as atividades no
estudo, toma-o menos monótono e cansativo: em segundo lugar, propicia uma série
de informações e conhecimentos que passariam despercebidos numa leitura
assistemática: em terceiro lugar, tornando o texto mais claro, sua leitura
ficará mais agradável e muito mais enriquecedora.
A análise textual pode ser encerrada
com uma esquematização do texto cuja finalidade é apresentar
uma visão de conjunto da unidade. O esquema organza a estrutura redacional do
texto que serve de suporte material ao raciocínio.
Muitos confundem essa esquematização
com o resumo do texto. De fato, a
apresentação as idéias mais relevantes do texto não deixa de ser uma síntese
material da unidade, mas ainda não realiza todas as exigências para um resumo lógico do pensamento expresso no
texto, que é atingido pela análise temática, como se verá no item seguinte.
A utilidade do esquema está no fato de
permitir uma visualização global do texto. A melhor maneira de se proceder é
dividir inicialmente a unidade nos três momentos redacionais: introdução,
desenvolvimento e conclusão. Toda unidade completa comporta necessariamente
esses três momentos. Depois são feitas as divisões exigidas pela própria
redação, no interior de cada uma dessas etapas.
Tratando-se de unidades maiores,
retiradas de livros ou revistas, cada subdivisão é referida ao número da página
em que se situa; tratando-se de textos não paginados, devem-se numerar
previamente os parágrafos para que se possa fazer as devidas referências.
3.
A ANÁLISE TEMÁTICA
De posse dos instrumentos de expressão
usados pelo autor, do sentido unívoco de todos os conceitos e conhecedor de
todas as referências e alusões utilizadas por ele, o leitor passará, numa
segunda abordagem, à etapa da compreensão da mensagem global veiculada na
unidade.
A análise temática procura ouvir o
autor, apreender, sem intervir nele, o conteúdo de sua mensagem. Praticamente,
trata-se de fazer ao texto uma série de perguntas cujas respostas fornecem o
conteúdo da mensagem.
Em primeiro lugar busca-se saber do que
fala o texto. A resposta a esta questão revela o tema ou
assunto da unidade. Embora
aparentemente simples de ser resolvida, essa questão ilude muitas vezes. Nem
sempre o título da unidade dá uma idéia fiel do tema. Às vezes apenas o insinua
por associação ou analogia; outras vezes não tem nada que ver com o tema. Em
geral, o tema tem determinada estrutura: o autor está falando não de um objeto,
de um fato determinado, mas de relações variadas entre vários elementos; além
dessa possível estruturação, é preciso captar a perspectiva de abordagem do
autor: tal perspectiva define o âmbito dentro do qual o tema é tratado,
restringindo-o a limites determinados.
Avançando um pouco mais na tentativa da
apreensão da mensagem do autor, capta-se a problematização
do tema, porque não se pode falar coisa alguma a respeito de um tema se ele não
se apresentar como um problema para
aquele que discorre sobre ele. A apreensão da problemática, que por assim dizer
“provocou” o autor, é condição básica para se entender devidamente um texto, sobretudo
em se tratando de textos filosóficos.
Pergunta-se, pois, ao texto estudo:
como o assunto está problematizado? Qual dificuldade deve ser resolvida? Qual o
problema a ser solucionado? A formulação do problema nem sempre é clara e
precisa no texto, em geram é implícita, cabendo ao leitor explicitá-la.
Captada a problemática, a terceira
questão surge espontaneamente: o que o autor fala sobre o tema, ou seja, como responde à dificuldade,
ao problema levantado? Que posição assume, que idéia defende, o que quer demonstrar?
A resposta a esta questão revela a idéia
central, proposição fundamental ou tese: trata-se sempre da idéia mestra,da idéia principal defendida pelo
autor naquela unidade. Em geral, nos textos logicamente estruturados, cada
unidade tem sempre uma única idéia central, todas as demais idéias estão
vinculadas a ela ou são apenas paralelas ou complementares. Daí a percepção de
que ela representa o núcleo essencial da mensagem do autor e a sua apreensão
torna o texto inteligível. Normalmente, a tese deveria ter formulação expressa
na introdução da unidade, mas isto não ocorre sempre, sempre, estando, às
vezes,difusa no corpo da unidade.
Na explicação da tese sempre deve usado
uma proposição, uma oração, um juízo completo e nunca
apenas uma expressão, como ocorre no caso do tema.
A ideia central pode ser considerada
inicialmente como uma hipótese geral da unidade, pois que é justamente essa
idéia que cabe à unidade demonstrar mediante o raciocínio. Por isso, a quarta questão a ser responder é: como o
autor demonstra sua tese, como comprova sua posição básica? Qual foi o seu
raciocínio, a sua argumentação?
É através do raciocínio que o autor
expõe, passo a passo, seu pensamento e transmite sua mensagem. O raciocínio, a
argumentação, é o conjunto de ideias e proposições logicamente encadeadas,
mediante as quais o autor demonstra sua posição ou tese. Estabelecer o
raciocínio de uma unidade de leitura é o mesmo que reconstituir o processo
lógico, segundo o qual o texto deve ter sido estruturado: com efeito, o raciocínio
é a estrutura lógica do texto.
A esta altura, o que o autor quis dizer
de essencial já foi apreendido. Ocorre, contudo, que os autores geralmente
tocam em outros temas paralelos ao tema central, assumindo outras posições
secundárias no decorrer da unidade. Essas ideias são como que intercaladas e
não são indispensáveis ao raciocínio, tanto que poderiam ser até eliminadas em
truncar a seguência lógica do texto. Associadas às ideias secundárias, de
conteúdo próprio e independente, complementam o pensamento do autor: são
subtemas e subteses.
Para levantar ideias, basta ler o texto
perguntando se a unidade ainda é questão de outros assuntos.
Note-se que é esta análise temática que
serve de base para resumo ou
síntese de um texto. Quando se pede o
resumo de um texto, o que se tem em vista é a síntese das ideias do raciocínio
e não a mera redução dos parágrafos. Daí poder o resumo ser escrito com
outras palavras, desde que as ideias sejam as mesmas do texto.
É também esta análise que fornece as
condições para se construir tecnicamente um roteiro
de leitura como, por exemplo, o
resumo orientador para seminários e estudo dirigido.
Finalmente, é com base na análise
temática que se pode construir o organograma
lógico de uma unidade: a
representação geometrizada de um raciocínio.
4. A ANÁLISE
INTERPRETATIVA
A análise
interpretativa é a terceira abordagem do texto com vistas à sua
interpretação, mediante a situação das idéias do autor.
A partir da compreensão objetiva da
mensagem comunicada pelo texto, o que se tem em vista é a sínese das idéias do
raciocínio e a compreensão profunda do texto não traria grandes benefícios. Interpretar, em sentido restrito,é tomar uma posição própria a respeito das
idéias enunciadas, é superar a estrita mensagem do texto, é ler nas entrelinhas,
é forçar o autor a um diálogo, é explorar toda a fecundidade das idéias
expostas, é cotejá-las com outras, enfim,
é dialogar com o autor. Bem se vê que esta última etapa da leitura
analítica é a mais difícil e delicada, uma vez que os riscos de interferência
da subjetividade do leitor são maiores, além de pressupor outros instrumentos
culturais e formação específica.
A primeira etapa de interpretação consiste em situar o
pensamento desenvolvido na unidade na esfera mais ampla do pensamento geral do
autor, e em verificar como s idéias expostas na unidade se relacionam com as
posições gerais do pensamento teórico do autor, tal como é conhecido por outras
fontes.
A seguir, o pensamento apresentado na
unidade permite situar o autor no contexto mais amplo da cultura filosófica em
geral, situá-lo por suas posições aí assumidas, nas várias orientações
filosóficas existentes, mostrando-se o sentido de sua própria perspectiva e
destacando-se tanto os pontos comum como os originais.
Nas duas primeiras etapas, busca-se ao
mesmo tempo o relacionamento lógico-estático das idéias do autor no conjunto da
cultura daquela área, assim como o relacionamento lógico-dinâmico de suas ideias
com as posições de outros autores que eventualmente o influenciaram ou que
foram por ele influenciados. Em ambos os casos, trata-se de uma abordagem
genérica.
Depois disso, já de um ponto de vista
estrutural, busca-se uma compreensão interpretativa do pensamento exposto e
explicitam-se os pressupostos que o
texto implica. Tais pressupostos são idéias nem sempre claramente expressas no
texto, são princípios que justificam, muitas vezes, a posição assumida pelo
autor, tornando-a mais coerente dentro de uma estrutura rigorosa.
Em outro momento, estabelece-se uma
aproximação e uma associação das idéias expostas no texto com outras idéias
semelhantes que eventualmente tenham recebido outra abordagem,
independentemente de qualquer tipo de influência. Faz-se uma comparação com
idéias temáticas afins, sugeridas pelos vários enfoques e colocações do autor.
Uma leitura é tanto mais fecundada quanto mais sugere temas para a reflexão do
leitor.
O próximo passo da interpretação é a crítica. Não se trata aqui do trabalho
metodológico da crítica externa e interna, adotado na pesquisa científica. O
que se visa, durante a leitura analítica, é a formulação de um juízo crítico,
de uma tomada de posição, enfim de uma avaliação cujos critérios devem ser
delimitados pela própria natureza do texto lido.
Tal avaliação tem duas perspectivas: de
um lado, o texto pode ser julgado levando-se em conta sua coerência interna; de
outro lado,pode ser julgado levando-se em conta sua originalidade, alcance,
validade e a contribuição que dá à discussão do problema.
Do primeiro ponto de vista, busca-se
determinar até que ponto o autor conseguiu atingir, de modo lógico, os
objetivos que se propusera alcançar; pergunta-se até que ponto o raciocínio foi
eficaz na demonstração da tese proposta e até que ponto a conclusão a que
chegou está realmente fundada numa argumentação sólida e sem falhas, coerente
com as suas premissas e com várias etapas percorridas.
A partir do segundo ponto de vista,
formula-se um juízo crítico sobre o raciocino em questão: até que ponto o autor
consegue uma colocação original, própria, pessoal, superando a pura retomada de
textos de outros autores, até que ponto o tratamento dispensado por ele ao tema
é profundo e não superficial e meramente erudito; trata-se de se saber ainda
qual o alcance, ou seja, a relevância e a contribuição específica do texto para
o estudo do tema abordado.
Resta aludir aqui a uma possível
crítica pessoal às posições defendidas no texto. Porque exige maturidade
intelectual, essa é a fase mais delicada da interpretação de um texto; é viável
desde o momento em que a vivência pessoal do problema tenha alcançado níveis
que permitam o debate da questão tratada. Observa-se ainda que o objetivo
último da formação filosófica é o amadurecimento da reflexão pessoal para o
tratamento autônomo dessas questões. A atividade filosófica começa no momento
em que se explica a própria experiência. Para alcançar tal objetivo esbarra-se
na abordagem dos textos deixados pelos autores. É por isso que a leitura
analítica metodologicamente realizada é instrumento adequado e eficaz para o
amadurecimento intelectual do estudante.
5. A PROBLEMATIZAÇÃO
A problematização é a quarta abordagem da unidade com vistas ao
levantamento dos problemas para a discussão, sobretudo quando o estudo é feito
em grupo.
Retoma-se todo o texto, tendo em vista
o levantamento de problemas relevantes para a reflexão pessoal e principalmente
para a discussão em grupo.
Os problemas podem situar-se no nível
das três abordagens anteriores; desde problemas textuais, os mais objetivos e
concretos, te os mais difíceis problemas de interpretação, todos constituem
elementos válidos para a reflexão individual ou em grupo. O debate e a reflexão
são essenciais à própria atividade filosófica e científica.
Cumpre observar a distinção a ser feita
entre a tarefa de determinação do
problema da unidade, segunda etapa da análise temática, e a problematização geral do texto, última
etapa da análise de textos científicos. No primeiro caso, o que se pede é o
desvelamento da situação de conflito que
provocou o autor para a busca de uma solução. No presente momento, problematização é tomada em sentido amplo e visa levantar,
para a discussão e a reflexão, as questões explícitas ou implícitas no texto.
6. A
SÍNTESE PESSOAL
CONCLUSÃO
A leitura analítica desenvolve no
estudante-leitor uma série de posturas lógicas que constituem a via mais
adequada para sua própria formação, tanto na sua área específica de estudo
quanto na sua formação filosófica em geral.
Com o objetivo de fornecer uma
representação global da leitura analítica, assim como permitir uma
recapitulação de todo o processo, são apresentados a seguir um esquema
pormenorizado com suas várias atividades e um fluxograma com suas principais
etapas.
ESQUEMA
Recapitulando: a leitura analítica é um
método de estudo que tem como objetivos:
1. favorecer a compreensão
2. treinar
para a compreensão e interpretação crítica dos textos;
3. auxiliar
no desenvolvimento do raciocínio lógico;
4. fornecer instrumentos para o trabalho
intelectual desenvolvido nos seminários, no estudo dirigido,
no estudo
pessoal e em grupos, na confecção de resumos, resenhas, relatórios etc.
Seus processos básicos são os seguintes:
1.
Análise
textual: preparação do texto;
- trabalhar sobre unidades delimitadas (um capítulo, uma seção, uma parte etc., sempre um trecho com um pensamento completo); fazer uma leitura rápida e atenta da unidade para se adquirir uma visão de conjunto da mesma; levantar esclarecimentos relativos ao autor, ao vocabulário específico, aos fatos, doutrinas e autores citados, que sejam importante para a compreensão da mensagem; esquematizar o texto, evidenciando sua estrutura redacional.
2. Análise
temática: compreensão do texto;
- determinar o tema-problema, a ideia central e as ideias secundárias da unidade;
- refazer a linha de raciocínio do autor, ou seja, reconstruir o processo lógico do pensamento do autor;
- evidenciar a estrutura lógica do texto, esquematizando a sequência das ideias.
- situar o texto no contexto da vida e da obra do autor, assim como no contexto da cultura de sua especialidade, tanto do ponto de vista histórico como do ponto de vista teórico;
- explicitar os pressupostos filosóficos do autor que justifiquem suas posturas teóricas:
- aproximar e associar idéias do autor expressas na unidade com outras idéias relacionadas à mesma temática;
- exercer uma atitude crítica diante das posições do autor em termos de:
a) coerência
interna da argumentação;
b) validade
dos argumentos empregados;
c) originalidade
do tratamento dado ao problema;
d) profundidade
de análise ao tema;
e) alcance
de suas conclusões e consequênias;
f) apreciação
e juízo pessoal das idéias defendidas.
4. Problematização: discussão do texto;
- levantar e debater questões explícitas ou implicitadas no texto;
- debater questões afins sugeridas pelo leitor.
5. Síntese pessoal: reelaboração pessoal da
mensagem;
- desenvolver a mensagem mediante retomada pessoal do texto e raciocínio personalizado;
- elaborar um novo texto, com redação própria, com discussão e reflexão pessoais.
[1]
Essas considerações são válidas também para a elaboração da monografia
científica, entendida como um trabalho de codificação de uma mensagem. Cf.
especialmente p. 73-85 e 183-94.
[2]
Cf. DANCE, F. E. (org.). Teoria da comunicação humana. São Paulo, Cultrix,
1973.
[3]
O pensamento é um processo de ordem epistemológica muito complexo. Outros
pormenores são apresentados no cap. VIII, às p. 183-94.
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